A polarização política até que pode não ser ruim, desde que não seja limitativa nem radicalizada. Quero com isto dizer que podemos até aprofunda-la um pouco mais. A polarização, na perspectiva de dois pontos de vista extremados precisa, no mínimo, ajudar-nos a compreender porque ouvimos dizer que os extremos se tocam. Tocar é bom, mas tocar não é fundir. Os pontos podem procurar enquadrar-se mutuamente e à vista, mas não podem desvirtuar as reais diferenças de conteúdo e objetivos que possuem. Não vou com isto propor um caminho em particular, mas sim, expressar séria preocupação com uma polarização que se faz de vazio em vazio.
Ao procurar entender a polarização politica através de duas questões da maior relevância civilizacional, a ambiental e a de segurança, observo que essas questões têm aqui no Brasil uma grande dimensão e gravidade. Ao fazê-lo, não posso deixar de observar que a direita brasileira aparenta simpatizar com a ideia que a questão ambiental é uma pauta da exclusiva responsabilidade para a esquerda tratar, e que na questão da segurança, a esquerda brasileira aparenta-se confortável com a ideia de que é uma pauta para a direita resolver. Um posicionamento que não ajuda a compreender a polarização e que se apresenta intelectualmente inaceitável, dado parecer refletir uma mera acomodação de gabinetes a um pacto de silêncio para uma paz podre.
A segurança é o garante das liberdades (assim esperamos) e o seu pleno exercício só se efetiva em ambiente regenerativo. Permitir que estas questões se consolidem como modelagem da polarização política brasileira, é uma combinação de elevado poder destrutivo, capaz de causar uma desgraça. Contrariamente às clivagens que a escravatura introduziu na sociedade brasileira, o país está agora apto a escrever a sua própria história sem fugir das suas responsabilidades e encontra-se perfeitamente habilitado a preconizar a construção de soluções com base na expertise. O Brasil tem já uma vasta observação sobre esses assuntos, tem questionamentos constantes, material imenso e tem a a capacidade para formular várias hipóteses. Certamente chegar-se-á a conclusões que não passarão por entregar ao politico A ou ao politico B a escolha individual do caminho a se fazer coletivamente. Uma só voz nunca é alternativa para a complexidade.
O Brasil não pode deixar-se contagiar pelos problemas de outros países nem infectar-se por este ou aquele vizinho, e muito menos, caminhar sem freios, rumo à colisão. Isso é promover uma cultura de violência onde o mais forte domina e a mitologia se impõe. Aquela máxima de que se deixar ficar quieto a solução aparece, não existe, assim como não existem vazios em política. Sem conseguir entender muito bem a polarização politica brasileira, fico pensando se não estamos perante uma reversa quadratura do circulo. Eu explico: A quadratura do circulo é um movimento através do qual se introduz sobre a linha de um circulo, os quatro pontos de escanteio de um quadrado. Pontos esses que redesenham a linha do circulo pela inclusão de mudanças pontuais, em 45 graus, na direção do traço. Mas quando o processo acontece em sentido reverso, o movimento passa a ser de remoção dos “pontos quadrados” que comportam consigo a mudança de direção da linha, redesenhando-se assim o circulo na base de uma linha de direção única, sem desvios, interrupções ou detalhes. Será que é isso que está a acontecer no Brasil, uma polarização rumo ao unipolar?
O mundo é multipolar e consensos até que podem existir, mas desistir de convicções, jamais.
Rui Perdigão – Administrador, Geografo, Presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso