Ameaça global do sarampo aumenta à medida que menos crianças são imunizadas. De acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde e dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, publicado, nesta quinta-feira (16/11), após anos de declínio na cobertura de vacinação contra a doença, os casos de sarampo aumentaram em 18% em 2022, e as mortes subiram em 43% ao redor do mundo, em comparação com 2021. O documento registra ainda a estimativa de 9 milhões de novos casos e 136 mil mortes principalmente entre menores de 12 anos.
Em 2022, 37 países tiveram surtos de sarampo grandes ou disruptivos, 15 a mais em relação ao ano anterior. Das nações que enfrentaram as crises, 28 países estão na África, seis no Mediterrâneo Oriental, dois no Sudeste Asiático e um na Europa. "O aumento nos surtos de sarampo e nas mortes é impressionante, mas infelizmente, não inesperado, dadas as taxas decrescentes de vacinação que observamos nos últimos anos", disse em nota John Vertefeuille, diretor da Divisão Global de Imunização do CDC.
O relatório mais recente da Organização Pan-Americana de saúde (OPAS), publicado em fevereiro, mostra que o último caso de sarampo no Brasil foi registrado 5 de junho de 2022. Em 2018, conforme boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em 2022, foram confirmados 9.325 infecções. No ano seguinte, a nação perdeu a certificação de "País livre do vírus do sarampo", dando início a novos surtos, com a confirmação de 20.901 casos. Em 2020 foram 8.448 e, em 2021, 676 casos de pessoas contaminadas.
Porém, Hemerson Luz, infectologista e chefe da Clínica de Infectologia do Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, destaca que a doença é altamente contaminante e segue afetando principalmente as crianças no país. "É uma doença infecciosa grave causada por um vírus, o que a caracteriza é a grande facilidade de se espalhar. Ela tem uma taxa de transmissão elevadíssima, pode passar muito facilmente de uma pessoa para outra e é muito comum a complicação naquelas não vacinadas, principalmente as crianças."
Luz reforça que no Brasil a cobertura vacinal não é adequada, o que causa preocupação. "O ideal para impedir a transmissão do vírus do sarampo é de cerca de 95%. No país, dependendo da região, chega-se a 70%, ou pelo menos 60%. [A cobertura] não é boa e pode facilitar a transmissão do vírus."
Prevenção
A infecção é prevenível com duas doses da vacina. Apesar do aumento modesto na cobertura global de vacinação em 2022 em relação a 2021, 33 milhões de crianças não receberam dose alguma do imunizante. As taxas globais de cobertura para a primeira aplicação foi de 83%, e a segunda de 74%. Índices muito abaixo dos 95% recomendados.
Os países de baixa renda, onde o risco de morte por sarampo é mais alto, mantêm índices vacinais insuficientes, de apenas 66%. Uma taxa que, segundo o relatório, não mostra recuperação alguma em relação ao retrocesso causado pela pandemia. "A falta de recuperação na cobertura da vacina contra o sarampo em países de baixa renda após a pandemia é um sinal de alerta para a ação", diz Kate O'Brien, diretora de Imunização, Vacinas e Produtos Biológicos da OMS.
Segundo O'brian, a discrepância entre países ricos e pobres quando se trata da patologia impressiona. "O sarampo é chamado de vírus da desigualdade com razão. É a doença que encontrará e atacará aqueles que não estão protegidos. Crianças em todos os lugares têm o direito de serem protegidas pela vacina que salva vidas, não importa onde vivam", acrescenta.
Werciley Vieira Júnior, infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, sublinha que a pandemia da covid-19 prejudicou o combate e a prevenção à doença. "Podemos considerar que atrapalhou, sim, porque diminuiu a adesão a algumas vacinas. Por isso que estão sendo feitas campanhas de motivação, ou seja, não tem que focar só na covid ou só numa doença, mas em todas que são imunopreveníveis."
Incentivo
De acordo com o documento, o CDC e a OMS estimulam os países a encontrar e vacinar todas as crianças contra o sarampo e outras doenças preveníveis dessa forma. Estimulam os parceiros a ajudar nações a imunizar suas comunidades mais vulneráveis. Para ajudar a prevenir surtos, todos os colaboradores de saúde nos níveis global, regional, nacional e local devem investir em sistemas robustos de vigilância e capacidade de responder a crises.
Para o infectologista Vieira Júnior, é preciso definir estratégias e agir rapidamente. Segundo ele, a estratégia é definida a partir de um diagnóstico do número de imunizados, verificando a cobertura vacinal, e um eventual aumento de casos. "A partir disso, também posso ver se minha vacina não está adequada para aquele vírus e observar se sofreu mutação."
Conhecimento e prevenção andam juntos
"É fundamental ampliar o conhecimento da população sobre a doença e seus riscos e sobre os benefícios dessa vacina para os grupos contemplados. Precisamos trazer informação de qualidade em todos os meios de comunicação, mostrando os benefícios das vacinas. É necessário ampliar locais e horários de vacinação e estimular a população, como, por exemplo, liberar horários para os pais poderem levar os filhos nas salas de vacina. Conhecer os dados epidemiológicos permite melhor gerenciamento dos recursos e, portanto, maiores serão as chances de aumentar as coberturas vacinais, além de poder aumentar o conhecimento sobre a doença e as formas de prevenção para locais nos quais a baixa cobertura vacinal for identificada."
Karen Mirna Loro Morejón, infectologista do Hospital das clínicas de Ribeirão Preto-USP. Membro do comitê de HIV e comitê de imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)
Solidão como caso de saúde pública
A Organização Mundial da Saúde quer tornar a solidão uma prioridade de saúde global. A iniciativa foi divulgada no lançamento de uma Comissão de Conexão Social. Nos próximos três anos, de 2024 a 2026, especialistas se concentrarão na avaliação de eventuais prejuízos causados por uma possível epidemia global de solidão. Para as análises, vão ser verificados dados científicos e, a partir daí, apresentadas alternativas de "tratamento" dos solitários.
Nesse período, a equipe pretende que a solidão como caso de saúde pública seja reconhecida mundialmente inclusive para obtenção de recursos financeiros destinados ao financiamento de tratamentos. A Comissão, formada por 11 profissionais de distintas áreas, entre eles o cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, e a enviada da juventude da União Africana, Chido Mpemba.
Segundo Murthy, a solidão provoca um maior risco de doenças cardiovasculares, demência, derrame, depressão, ansiedade e morte prematura. "O impacto na mortalidade decorrente do isolamento social é semelhante ao causado pelo tabagismo de até 15 cigarros por dia e até maior do que o associado à obesidade e à inatividade física", escreveu o líder do grupo na carta de lançamento do projeto.
Segundo o comitê, as estimativas globais sugerem que um a cada quatro idosos vivencia isolamento social e entre 5% e 15% dos adolescentes enfrentam a solidão. Esses índices nos países de baixa e média renda são comparáveis ou superiores aos das nações mais ricas.