Uma revisão, publicada, ontem, na revista BMJ Public Health, alerta para os potenciais riscos de perda auditiva irreversível e zumbido persistente entre jogadores de videogame no mundo. Os cientistas destacam que os níveis sonoros relatados em estudos abrangendo mais de 50 mil pessoas frequentemente se aproximam ou ultrapassam os limites de segurança recomendados. Em face da imensa popularidade dos games, os especialistas enfatizam a necessidade urgente de maiores esforços de saúde pública para conscientizar sobre esses riscos.
Apesar de fones de ouvido e locais com música serem reconhecidos como fontes sonoras potencialmente prejudiciais, a perda auditiva relacionada aos jogos de computador, incluindo os esportes eletrônicos, não recebe a atenção necessária. É o que alertam os pesquisadores.
"As descobertas sugerem que pode haver necessidade de priorizar intervenções, como iniciativas focadas na educação e na conscientização sobre os riscos potenciais dos jogos, que podem ajudar a promover a escuta segura entre os que praticam essa atividade", analisa a equipe internacional.
Os jogadores frequentemente se envolvem em sessões de alta intensidade por várias horas consecutivas, e com mais de 3 bilhões de adeptos a esse tipo de diversão, em todo o mundo, em 2022, o impacto é significativo.
O estudo
A revisão abrangeu 14 estudos de nove países, analisando um total de 53.833 pessoas. Onze desses ensaios eram observacionais e exploravam as associações entre audição e computador ou videogame. Os níveis de som relatados variaram de 43,2 decibéis (dB), em dispositivos móveis, a 80-89 dB, em centro de jogos. A exposição aos sons variou de diariamente a uma vez por mês, com uma média de três horas semanais.
Um estudo relatou que os sons de impulso, curtos e rápidos, atingiram níveis tão altos quanto 119 dB durante o jogo. Os de exposição máximos são de cerca de 100 dB para crianças e de 130 a 140 dB para adultos.
Robinson Koji, médico da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e presidente da Sociedade Brasileira de Otologia (SBO), frisa que, no Brasil, o limite é de 85 dB para oito horas de exposição diária. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece o valor de 75 dB para o mesmo período. "É preocupante os níveis sonoros a que os jogadores estão expostos e isso se agrava porque muitos utilizam os games por horas. Se a prevenção não for adequadamente feita, há risco de um aumento muito grande de adultos jovens com problemas auditivos."
A União Internacional de Telecomunicações (UIT), em colaboração com a OMS, detalha uma compensação entre tempo e intensidade, conhecida como taxa de câmbio, para a exposição, explicam os pesquisadores. Por exemplo, o tempo de exposição ao ruído de 80 dB permitido é de 40 horas por semana com uma taxa de câmbio de 3 dB, isso significa que o tempo de exposição cai pela metade a cada aumento de 3 dB. Se subir para 83 dB, são 20 horas de tolerância e 86 dB são 10 horas, e assim continua.
Para crianças, o nível permitido de exposição ao ruído é definido como 75 dB durante 40 horas por semana. Os pequenos podem, portanto, ouvir com segurança um som de 83 dB durante cerca de 6,5 horas, 86 dB durante cerca de 3,25 horas, 92 dB durante 45 minutos semanalmente, frisam os cientistas.
Seis estudos avaliados no trabalho relataram que a prevalência do uso de videogames entre os jovens variou de 20% a 68%. Dois estudos sul-coreanos relataram uma prevalência do uso de centros de jogos em torno de 60%. Cinco ensaios avaliaram associações entre jogos e perda auditiva, limiares auditivos ou zumbido. Dois descobriram que o uso de salas para jogar estava associado ao aumento das chances de zumbido grave e perda auditiva de alta frequência em ambos os ouvidos.
Cuidados
Outro trabalho relatou que os videogames estavam associados a maiores chances de gravidade da perda auditiva. Conforme pontuado pelos estudiosos, mais de 10 milhões de pessoas nos EUA podem estar expostas a níveis sonoros "altos" ou "muito altos" dos games.
Uma pesquisa mediu ainda os níveis de som de cinco videogames e descobriu que variavam de 88,5 a 91,2 dB em jogos de tiro. Os autores concluíram que o nível diário de exposição sonora desses equipamentos está próximo dos valores máximos.
Conforme Márcio Salmito, otorrinolaringologista da Unidade Campo Belo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, outras atividades podem prejudicar a audição, como trabalhar em ambientes ruidosos, tais quais aeroportos e fábricas. "Além disso, locais de lazer, shows e eventos musicais, frequentemente expõem sons acima do saudável às pessoas. Fones de ouvido podem, também, ser um perigo, já que, ao não incomodar os outros, ouvir música com fones pode ser feito em volumes altos."
Maisa Roldan, otorrinolaringologista do Dr.Consulta, reforça que é importante evitar ambientes com alta intensidade sonora e, no caso de exposição, usar protetor auricular. "Além disso, mantenha o volume sempre em uma intensidade confortável para os ouvidos de acordo com a especificação do fabricante. Monitore o tempo de exposição e faça descanso auditivo após exposição prolongada. Faça exames regularmente e procure um médico com urgência caso perceba a alteração da audição. No caso de jogos, use fones de ouvido com limitador de volume."
Para os cientistas, embora os dados ainda sejam limitados, eles sugerem que alguns jogadores, especialmente aqueles que jogam com frequência, provavelmente excedem os limites permitidos de exposição sonora. "Portanto, estão engajados em práticas inseguras, o que pode colocá-los em risco de desenvolver perda auditiva permanente e/ou zumbido", reforçaram os cientistas.
Os autores ressaltam que algumas questões, que não foram colocadas em foco no trabalho, precisam ser consideradas, como por exemplo o impacto dos esportes eletrônicos, região geográfica, sexo e idade na perda auditiva.
Saúde em dia
Algo muito legal é que os celulares de algumas marcas têm um botão que quando você aumenta volume, ele limita. Então se você coloca o volume superalto, ele sempre vai deixar num nível de decibéis seguro para não haver o trauma acústico. Uma dica interessante é evitar fones de ouvido, via de regra, tanto para jogo como para outras coisas. Aquele fone que a gente coloca por fora, que fica como uma tiara no pescoço e ele se apoia na orelha, é menos agressivo para a cóclea (porção anterior do labirinto, localizada na região do ouvido interno) que aqueles de inserir dentro do condutor auditivo, o buraquinho da orelha. Deve haver iniciativas na escola, para explicar ou mesmo realizar exames auditivos, em pessoas que têm uso de fone por tempo prolongado ou qualquer tipo de exposição a ruído por um tempo muito longo.
Marcel Menon, médico assistente do Departamento
de Otorrinolaringologia
da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo, doutor pela Eye and Ear Infirmary, da Harvard
Medical School